Por que as pessoas fazem o que fazem

Introdução

Pense em uma comunidade com taxas quase universais de defecação a céu aberto. O problema não é a falta de banheiros. Depois de pesquisar os locais, muitos foram construídos recentemente e colocados em áreas de tráfego intenso. Homens, mulheres e crianças passam por esses banheiros bem iluminados em locais centrais a caminho do trabalho, da escola e para buscar água. Muitos preferem caminhar 35 minutos até um local de defecação a céu aberto conhecido e isolado para fazer suas necessidades.

Essa decisão diária, tomada pela grande maioria dos membros da comunidade por gerações, tem contribuído para inúmeras mortes por diarreia, cólera, vermes intestinais, tracoma e muitas outras doenças. Essa decisão também aumenta o risco de agressão sexual a mulheres que vão até esses locais isolados. Na seção seguinte, exploraremos como uma abordagem de MSC pode nos ajudar a descobrir alguns dos determinantes ocultos desse comportamento, permitindo-nos promover e estimular mudanças positivas.

Estudos estimam que as pessoas tomam mais de 35 mil decisões por dia. Cada decisão individual tem efeitos cascata sobre os outros, desde entes queridos, como filhos, cônjuges, familiares, amigos, além de membros da comunidade, como vizinhos, professores, amigos e colegas, até a sociedade em geral. As dinâmicas ambientais, sociais e políticas influenciam as decisões que tomamos e essas dinâmicas são influenciadas por essas decisões. Ao entender o que embasa a tomada de decisão individual e coletiva, conseguimos ajudar as pessoas a fazer escolhas saudáveis e positivas para si mesmas e para a sociedade em geral. Quando entendemos os determinantes do comportamento, podemos apoiar os formuladores de políticas e os profissionais de desenvolvimento na elaboração de estratégias que possibilitem a tomada de decisões positivas.

Por que MSC? 

Voltemos ao nosso desafio de defecação a céu aberto. Análises sociais e comportamentais revelariam que, para essa comunidade, a prática da defecação a céu aberto é um hábito adotado ao longo de gerações. Hábitos são difíceis de abandonar, especialmente quando ligados a normas culturais de longa data. Antes da disponibilização de banheiros, a prática de se deslocar até um local de defecação a céu aberto era combinada com a tarefa de buscar água. A combinação de tarefas não era apenas conveniente, mas também oferecia uma oportunidade para vizinhos, amigos e familiares passarem tempo juntos. As crenças tradicionais também consideravam isso uma escolha saudável: caminhar antes de defecar era visto positivamente. Assim, as gerações seguintes foram criadas pensando que essa era a coisa certa a fazer. Apenas construir banheiros nunca interromperia uma tradição social incutida ao longo de gerações. A defecação a céu aberto nunca seria resolvida apenas com a construção de banheiros. Foi um desafio comportamental individual apoiado por gerações de práticas comunitárias e normas sociais.

A Ciência Social e do Comportamento é o estudo do comportamento humano, a investigação de por que as pessoas, tanto como indivíduos quanto como parte de grupos, percebem, pensam e agem de maneiras particulares. Ela procura explicar algumas das coisas aparentemente estranhas e irracionais que fazemos, ao mesmo tempo em que gera ideias para ajudar as pessoas a fazerem escolhas mais positivas. Ela sustenta cada uma das prioridades estratégicas do UNICEF. As crianças são afetadas pelas 35 mil decisões diárias dos adultos que moldam suas vidas. Dominar a ciência do comportamento humano é essencial para construir ambientes onde as crianças possam prosperar.

Modelos do UNICEF para entender a Mudança Social e de Comportamento

As pessoas são diversas e imprevisíveis. Como podemos entendê-las melhor e até prever o que farão?

Embora sejamos todos diferentes, cada vez mais pesquisas revelam que há consistências na tomada de decisões e no comportamento humano. Essas pesquisas desafiaram os modelos clássicos e “racionais” de comportamento usados na economia. Contextos sociais, históricos e culturais, o meio ambiente e como os atalhos mentais moldam a tomada de decisão cotidiana estão, cada vez mais, fundamentando o trabalho neste espaço. A Ciência Comportamental emprega evidências e dados de pessoas de todo o mundo para projetar teorias que explicam e idealmente preveem como e por que as pessoas tomam decisões.

Teorias e modelos comportamentais podem oferecer uma estrutura baseada em evidências para analisar, projetar e avaliar o trabalho da MSC.

O Modelo Socioecológico (MSE) é o modelo fundamental do UNICEF para a Mudança Social e de Comportamento. Esse estudo destaca os fatores que influenciam o comportamento humano individual e coletivo. Esses fatores são:

• Política, sociedade e ambiente: as leis, normas e condições que regem nossas vidas
• Instituições e serviços: as organizações com as quais interagimos, os serviços disponíveis para nós e nossa experiência com eles
• Comunidade: nossos grupos sociais, aqueles que vivem em uma área geográfica semelhante ou compartilham algumas características ou interesses conosco
• Família e amigos: as pessoas com quem interagimos regularmente
• Individual: nossa própria experiência cognitiva e percepções

O MSE apresenta uma perspectiva individual, social e sistêmica para garantir que todas as pesquisas, estratégias e programas sejam responsáveis por esses níveis-chave de influência.

Modelo de Determinantes Comportamentais (MDC)

Embora o MSE delineie as estruturas mais amplas que influenciam a mudança de comportamento, ele não articula a dinâmica específica em cada nível. O modelo não inclui os mecanismos cognitivos e sociais que nos influenciam e as teorias específicas que podem ser usadas para impulsionar a mudança. No entanto, existem vários modelos comportamentais que fazem isso. Um estudo identifica mais de 82 modelos de mudança de comportamento, focando apenas o indivíduo. Outros modelos e teorias comportamentais descompactam a dinâmica no nível da comunidade, examinando o papel das normas e dos contatos sociais. A Economia Comportamental oferece vários modelos, heurísticas e vieses para explicar as alavancas psicológicas e ambientais da mudança. Disciplinas setoriais, como atendimento médico, baseiam-se em modelos de risco e custo-benefício.

O Modelo de Determinantes Comportamentaisagrega muitos desses diferentes modelos para agrupar três importantes determinantes da mudança:

• Psicológico
• Social
• Ambiental

Psicológico:  esta categoria examina as características demográficas e sociais que tornam as pessoas exclusivas. Elas incluem as crenças, intenções, percepções e preconceitos que influenciam a tomada de decisão.

Social:  esta categoria explora a noção de que as pessoas nunca são totalmente autônomas, desvendando os efeitos da influência e das normas sociais. As pessoas são fortemente influenciadas e preocupadas com as opiniões e ações dos outros. Normas sociais positivas e negativas podem desempenhar um grande papel na tomada de decisões pessoais.

Ambiental:  esta categoria descompacta a ampla gama de influências que existem no espaço ao nosso redor. O que as pessoas ouvem no discurso público e privado pode reforçar ou desafiar o que elas pensam. Pontos de vista novos e emergentes podem ser catalisadores de ideias alternativas. Governos, políticas e serviços também podem encorajar ou desencorajar certas escolhas. Todos esses elementos compõem o contexto em que as pessoas vivem e formam comportamentos.

É importante enfatizar que o Modelo de Determinantes Comportamentais e seus componentes são de natureza ecológica. Os fatores descritos no MDC podem ser espalhados pelos vários níveis do MSE.

Compreensão do comportamento humano

Modelos comportamentais, como o MSE e o MDC explicados acima, são ferramentas úteis para estruturar sua pesquisa. Eles podem ajudar você a identificar lacunas em seu cenário de dados, organizar sua análise comportamental e identificar onde os investimentos podem ter mais impacto.

Embora existam centenas de modelos para escolher, muitos foram generalizados, a fim de serem aplicados à maioria dos tópicos e desafios (por exemplo, o modelo COM-B mencionado abaixo). Por causa disso, os modelos precisam ser adaptados para atender à sua situação. Seja qual for o modelo que você escolher para o desafio que enfrenta, é vital testá-lo com evidências reais de seu contexto para ajustar as suposições. Ao testar, você consegue garantir o melhor resultado para seu cenário exclusivo.

O comportamento humano é complicado. Para lidar efetivamente com os desafios comportamentais, você precisa combinar ferramentas e insights de uma variedade de disciplinas. Colaborar com pessoas e comunidades ao longo do processo de mudança é um dos vários princípios fundamentais que são essenciais para garantir que a MSC seja a mais eficaz possível.

Abaixo está uma lista de disciplinas que você pode usar para entender e resolver desafios comportamentais complexos. Essa lista não está completa e deve ser ampliada para atender às suas necessidades e à natureza evolutiva da disciplina.